Inclusão de universitários negros no mercado de trabalho

Políticas de diversidade e inclusão são essenciais e norteiam o caminho para uma organização inclusiva e diversa. E, quando falamos do início da carreira, os desafios são muitos. E só com, empresas e universidades trabalhando com ações e projetos de inclusão, que construiremos um mercado de trabalho para todes.

Já é possível identificar projetos voltados para o aumento da inserção de jovens negros nas  organizações, mas, será que esses projetos estão sendo efetivos? E como as universidades podem ser aliadas para o aumento do percentual desses jovens em vagas de estágio?

Hoje, vamos conversar com a Andressa Gonçalves, profissional de marketing, atuante nos projetos de Diversidade e Inclusão no time da empresa Aviva e integrante do coletivo Caneca na mesa, grupo de profissionais LGBTQI+  que se unem para discutir e contribuir para um ambiente mais diverso nas empresas em que trabalham

Gostaríamos de conhecer um pouco mais sobre sua trajetória pessoal e profissional

Primeiramente, gostaria de agradecer o convite e dizer que é uma honra e satisfação fazer essa troca tão rica e relevante com a Walljobs! 

Bom, eu sou a Andressa, uma mulher negra, lésbica, casada, não monogâmica, capricorniana, e como uma boa caprica, workaholic (risos), cristã, apaixonada por música. Quando não estou trabalhando, meus principais hobbies são: cantar, tocar violão, cuidar das minhas filhas (assim que chamo minhas plantas) e correr, a corrida é uma descoberta dos últimos três anos que só veio para agregar na minha vida. 

Para chegar nessa Andressa tão segura e “estabilizada” de vida, foi uma longa caminhada, passei momentos difíceis, com dificuldade financeira, má alimentação, perdas de momentos entre amigos e familiares e aquele sentimento de estar sozinha, sem poder contar com ninguém. Mas a todo instante sempre com a certeza de que tudo que me propunha a fazer, seria construtivo e significante para realizar meus objetivos e sonhos.

Falando da minha trajetória, sou tecnóloga em administração e marketing pela ETEC Martin Luther King e bacharel em Comunicação Social com ênfase em Publicidade e Propaganda pela Uninove. Atualmente sou analista de marketing na Aviva, possuo mais de 12 anos de experiência nas áreas de marketing e administração, sendo 6 deles com atuação em marketing promocional, loyalty, trade marketing e endomarketing. Durante minha trajetória, ganhei prêmios de destaque pela minha performance e atualmente me tornei uma das Embaixadoras da Diversidade na Aviva, onde venho implementando a cada dia a cultura da pluralidade, representatividade e respeito. Também faço parte do coletivo Caneca na Mesa, um grupo de profissionais LGBTI+ que mobilizam mudanças e ambientes de trabalho mais inclusivos. Para mim, viver é meu divertimento, guerreira é meu sobrenome e a FELICIDADE construímos todos os dias.

Na sua trajetória profissional, você identificou mudanças no mercado que dizem respeito à inclusão? Quais?

Durante a minha trajetória profissional entre trabalhos formais e informais infelizmente pouco foi tratado e trabalhado nesses ambientes, esse olhar de inclusão, seja inclusão racial, social, inclusão de gênero ou orientação sexual. Ao contrário, infelizmente eu passei por situações de discriminação em processo seletivo, situações durante a minha graduação em um emprego de discriminação racial, a ponto de julgarem minha capacidade intelectual da minha escolha de carreira e a pressão de omitir minha orientação sexual por trabalhar em ambiente com tantas mulheres. 

Eu percebo que o tema e essa mudança de mindset vem acontecendo há pouco tempo, não chega há 10 anos. E acredito que as leis de estágio e jovem aprendiz, contribuem fortemente nessas mudanças. Os programas de estágios tantos os internos nas empresas como as empresas especialistas em colocação profissional possuem um papel muito importante para que empresas se tornem inclusivas, sobretudo na vida dos jovens, o papel social de incluir pessoas sem qualquer tipo de distinção, dar oportunidade de capacitar, acreditar e possibilitar que a realização de carreira. 

No seu trabalho, diariamente você lida com implementações de projetos com foco em Diversidade e Inclusão. Você consegue identificar o impacto desses projetos na vida dos profissionais negros? Possui algum caso para trazer?

Os principais impactos que eu mais percebo são de inclusão e representatividade como falamos a pouco, aumentar as chances de profissionais negros terem novas possibilidades de trajetória de vida e carreira, que em sua maioria e me incluo nessa fala, vem de um contexto social simples e muitas vezes marginalizadas, pessoas que sofrem diariamente com o racismo, desde uma simples fila de banco, transitar entre corredores de um supermercado com alguém te seguindo, como estar em uma sala de aula com quarenta alunos sendo uma das poucas negras naquele ambiente. Projetos de inclusão quebram esses vieses inconscientes dos negros e dá novos acessos.

A inclusão propicia que jovens nessa realidade obtenham novas perspectivas na vida, que realizem seus sonhos pessoais e profissionais. E trago como exemplo a minha trajetória, a oportunidade que eu tive através de um programa de estágio, eu não só consegui entrar na área em que estudava na época como me desenvolvi rapidamente, em seis meses eu fui efetivada e no decorrer da minha experiência, alcancei conquistas tão significantes para mim naquela época, que era morar em uma casa mais arejada, que me proporcionaria melhor qualidade de vida, fazer curso de inglês, oficializar o meu relacionamento e uma conquista mais recente, agora em março de 2020, foi realizar a primeira viagem internacional. Por meio do meu alto desenvolvimento profissional eu consegui realizar o sonho da minha esposa de conhecer a Disney e poder abraçar seu ídolo mickey. 

Certamente sem a minha persistência e resiliência, não cheguei até ontem estou, e ter pessoas como eu em diversos espaços acadêmicos e profissionais, gera a representatividade, inspira outros jovens alcançarem novos espaços. 

Em sua opinião, qual o papel das instituições de ensino superior na inclusão de universitários negros no mercado de trabalho? 

Importantíssimo! 

As instituições possuem um papel social tão relevante, o acesso ao ensino, a formação de pessoas, a construção de carreiras, que se amplia na construção de locais e do país em todos os âmbitos. 

As instituições deveriam criar programas e metodologias além das cotas, eu amplio essa inclusão não só para universitários negros, mas para jovens LGBTI+ e jovens em situações de baixa renda, que muitas vezes desistem de estudar, por não conseguir arcar financeiramente com os estudos ou mesmo por acharem que universidade não é um ambiente para eles, acolhedor e distante de sua realidade. 

Então práticas como financiamento acessível, vale lanche, vale livros, desconto em impressões e xerox, comitês representativos entre alunos e docentes possibilita que mais jovens se formem e automaticamente mais jovens ingressando no mercado de trabalho.

Vivemos em uma sociedade onde o racismo é estrutural e, a partir dessa realidade, quais são as principais barreiras que universitários negros encontram? Você as identifica diariamente?

As principais dificuldades para os universitários negros, na minha visão, é a falta de respeito e representatividade, infelizmente lidar com piadas pejorativas de docentes e alunos, discriminação do cabelo, das roupas e até das regiões que a família mora, diante de tudo isso não ter onde recorrer, por dizerem que são apenas brincadeiras e se não gostarmos é porque somos mal-humorados ou chatos.

Ter que lidar com o “cancelamento” e ou a falta de conteúdo representativo da ancestralidade negra, de referências afrodescendentes para estudo, conhecimento e de próprios docentes, coordenadores, diretores.

Essas situações dificultam ainda mais a conclusão do curso, com a somatória dos problemas já mencionado anteriormente, frequentar um lugar que não é acolhedor, confortável e não gera um bem-estar, inviabiliza as formações. 

Atualmente, vimos crescer redes de apoio vindas dos próprios universitários. A universidade ativa na causa racial e que fomenta projetos de equidade étnico-racial, contribui para que esse futuro profissional tenha uma carreira de sucesso?

E não diria que terão uma carreira de sucesso garantida, mas começar a conviver em um ambiente interseccional durante a formação, prepara esses jovens para a realidade do mundo corporativo, que ainda está distante do mundo ideal, porém vem se transformando gradualmente. Chegarão empoderados para quaisquer adversidades durante sua carreira, como o Lázaro Ramos menciona em seu livro Na Minha Pele: “O seu lugar é aquele onde você sonha estar”.

Na sua opinião, o que é preciso para ter programas de estágios mais inclusivos?

No mundo corporativo usa-se muito o termo “elevar a régua” com sentido de aumentar a complexidade das coisas, e quando falamos de inclusão vejo como o oposto disso, para ter programas de estágios inclusivos, é preciso de acessibilidade. Começa por ampliar as buscas desses jovens, que possam vir de projetos sociais, de regiões periféricas, que as empresas possam realizar parcerias com outras empresas com práticas de diversidade & inclusão. 

Também vejo a necessidade na revisão dos critérios para esse primeiro emprego, as empresas colocam requisitos, como: alto nível de inglês, competências analíticas das áreas e até mesmo experiência como exigência para ingressar na empresa, mas estamos falando de pessoas que ainda estão em formação acadêmica. 

A lei nº 11.788 que regulamenta programas de estágio menciona no 1º artigo, parágrafo 2º: O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho. Ou seja, preparar esses jovens, e não exigir que cheguem prontos.

E a partir do momento que esses jovens começam a fazer parte da empresa, criar plano de desenvolvimento de carreira, com programas de capacitação, cursos complementares e mentorias.

Uma das ações para inclusão nas organizações, foi a realização de um banco de talentos para profissionais negros. Você acredita ser uma ação efetiva? 

Acredito sim, pois trata-se de 56% da população brasileira, que se declaram negras, isso representa 19,2 milhões declarante negros e 89,7 milhões declarante pardos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) contínua do IBGE.

São milhões de novas possibilidades, são pessoas com os mesmos direitos humanos, que deveriam e podem ter os mesmos acessos ao mundo corporativo e na sociedade. Práticas como essa, contribuem para um mundo menos desigual.  

Que mensagem gostaria de deixar para recrutadores, pensando em contribuir para um processo mais inclusivo?

Recrutadores, lembrem-se que a base do trabalho de vocês são as pessoas, então que possam ter empatia durante os processos seletivos, esse momento por si só tem uma grande pressão, a empatia é uma grande aliada nas práticas de diversidade & inclusão, ter o olhar empático sobre vivências que serão faladas durante a entrevista, sobre a insegurança que alguns demonstraram nesse momento, mas que não representa a força e coragem diária deles, ter empatia com as roupas e características, entender o contexto dos candidatos antes de criar as definições. Quebrar os vieses inconscientes construídos até os dias de hoje sob estereótipos, gênero, classes, raça, orientação sexual, idade, plus size, PcD e tantas outros. 

Mas sobretudo agir com respeito, quando tratamos as pessoas com respeito e atenção, permitimos que elas fiquem bem, se sintam à vontade em expor quem elas são, o que acreditam e desejam. 

Eu poderia falar diversas práticas técnicas, mas acredito que a base seja empatia e respeito, essas duas palavras na prática tem o poder de mudar o mundo. E para finalizar deixo uma mensagem do saudoso Martin Luther King Jr: “A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio, só o amor pode fazer isso.”

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