Dia desses participei de uma roda de conversa em uma escola estadual de São Paulo. O bate-papo foi sobre carreira, sonhos e acreditar em si mesmx. Chegando na escola, reparei que o pátio estava abarrotado de bicicletas. Comentei com a coordenadora pedagógica sobre a quantidade de bikes por ali. “Muitos alunos vêm de longe. Pedalam até uma hora para virem. A pé não daria tempo”, disse ela.
Fiquei pensando na tal da meritocracia que muita gente gosta de bater no peito se considerando um sucesso. Ela existe, é verdade. Mas basicamente para quem teve exatamente as mesmas oportunidades. E não só de estudo. Também de tantas outras variáveis: alimentação adequada, acesso a água limpa e potável, momentos de lazer, família estruturada, referências e relacionamentos positivos e de afeto. Mesmo distâncias. Quão cansado alguém chega na aula depois de pedalar uma hora? Ou andar? No frio, no calor, na chuva, no sol de rachar?
Tudo isso influencia quanto acreditamos em nossas possibilidades, quanto nos sentimos merecedores de coisas boas e de espaços de poder e decisão. Uma vez, conversando com a minha madrinha, contei a ela toda cheia de coragem, que resolvera me tornar empreendedora, que as pessoas tinham que arriscar mesmo, sair da zona de conforto… Até que ela me lembrou que sim, eu estava certa. Mas me arriscava também porque sabia que, se tudo desse errado, teria para onde voltar. No caso, a casa dos meus pais.
É desses necessários tapas na cara que a gente desperta para a vida e aprende a olhar a realidade em 360. Bem além dos nossos privilégios. Falando neles, recomendo muito a análise espetacular sobre privilégio branco no documentário “Alô, privilégio? É a Chelsea”, disponível na Netflix. A comediante americana Chelsea Handler consegue provar, a partir de sua própria realidade, como apenas o fato de ser branca já é uma vantagem. Uma pessoa branca não será julgada pela cor da própria pele, sua capacidade não será colocada em xeque e suas oportunidades não serão limitadas.
O quê? Você é brancx e nunca percebeu isso? Claro que não. Literalmente, precisa sentir na própria pele. O privilégio branco precisa ser discutido quando falamos de carreira também. Ou seguiremos com equipes que refletem e sustentam racismo estrutural e injustiças sociais.
Suzane G. Frutuoso é cofundadora da plataforma Mulheres Ágeis e da consultoria ComunicaMAG